quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Ana Leitão - Comentário à palestra de Fernando Hernandez

“O tempo, esse  grande escultor” (Marguerite Yourcenar)
Comentário à palestra de Fernando Hernandez, por Ana Leitão
“A arte expressa relações, o nosso trabalho é permitir que relações  tenham lugar”- Fernando Hernandez alertava assim para os riscos de uma mediação desenvolvida como “colonização”.
O mediador, “trabalhador da cultura” deverá então ser um “criador de circunstâncias”, alguém disposto a criar “disponibilidade de encontro”, atendendo à arte como “estado de encontro”.
Deverá substituir o diálogo “comunicativo”com o público por um diálogo”analítico”, que tenha em conta as grelhas de leitura de quem participa numa visita.
Defensor de “projectos de trabalho”, mais do que visitas ou ateliês, Hernandez  apontou vários eixos norteadores desses projectos :
-  favorecer o desejo de aprender
- favorecer uma cultura “de escuta”, de diálogo
- fomentar a problematização, o questionamento e a meta reflexão
- proporcionar a construção de relações e associações
- permitir documentar (não como uma acumulação de informação)
e narrar
O trabalho educativo entendido como trabalho performativo e a afirmação da prática pedagógica como devendo estar indissoluvelmente associada à construção de identidade remataram esta verdadeira aula interactiva.
Mas foi uma resposta a uma questão levantada pela audiência relativamente às qualidades de um mediador, que fez vibrar as cordas da minha paixão pelo trabalho em serviços educativos:
Hernandez, num jeito indizível, respondeu:
- capacidade de escutar
- pôr-se no lugar do outro -empatia
- paciência
E foi sobretudo esta última qualidade, justificada com a constatação de que “há que dar tempo ao tempo”, que me deixou a ruminar por dentro…
“  10 anos depois uma pessoa compreendeu algo que eu havia dito”
A problematização foi num crescendo:
“o trabalho de mediação e seus resultados são dificilmente mensuráveis”…
“o tempo que estamos com um grupo é muito limitado”
A sessão da manhã terminou mas a ausência anunciada do projecto antimuseo , pela tarde, ofereceu-nos  “um prolongamento em exclusivo” de Hernandez.
“Não há nada mais prático que uma boa teoria” (Kurt Lewin)
Debate com Fernando Hernandez, comentado por Ana Leitão
Acreditem que raramente um debate flui tão espontaneamente e se auto-alimenta como este a que assisti à tarde, numa conversa que nascia de dentro, das experiências pessoais  dos intervenientes, e da postura sábia (gosto desta palavra e é tão raro poder usá-la!) deste mestre da escuta.
Tópicos, os mais diversos, a conversa, fantástica construção conjunta, sustentada por este “provocador de circunstâncias”:
- A escola entrou em força no debate, pela mão de Hernandez e de vários elementos da assembleia, que ponderaram o seu potencial transformador, tantas vezes manietado -“fugiu um anjo da escola, a imaginação pedagógica”-, a diferença na relação da comunidade (?) escolar com as obras de arte versus relação com os artistas vivos, as dificuldades sentidas por ou com professores…
- Os dualismos e generalizações associadas foram recusados: as escolas e museus propagam mais informação do que promovem a reflexão mas também existem situações de profunda construção partilhada de saber. Susana Gomes da Silva apontou aliás que em Portugal, existem muitas vezes 2 velocidades diferentes nos museus: por um lado o trabalho que é feito pela Instituição em si, e por outro, o de Serviços Educativos
- Sophia Neuphart reflectiu sobre o difícil equilíbrio , autêntica “ginástica”, entre a provocação de movimentos nas pessoas/comunidades e a escuta.
- Hernadez agarrou-me com exemplos da sua história de vida (como as narrativas de histórias de vida são importantes!): alunos universitários que escolheram como seu projecto de pesquisa com o Professor “ A experiência de silêncio na sala de aula”; alunos de ensino intermédio que escolheram dominantemente como tema de filmes de 3 minutos que iam construir, “Memórias dos avós”
- Interessantíssima foi a interpelação de outro elemento sobre a relação entre artistas e escolas correr o risco de reduzir os primeiros a narradores da sua obra, que suscitou também a ponderação de Hernandez de que também as crianças podem ser usadas pelos artistas, se estes apenas as utilizam como mão de obra para os trabalhos que eles projectam. A esse propósito distinguiu outras 3 situações:
- Artistas que fazem projectos seus para as crianças verem
- Artistas que fazem projectos pedidos pelas escolas
- Artistas que fazem projectos com as crianças
Isto pode passar-se perfeitamente nos museus, relativamente à postura que assumem com os públicos…
Para terminar, o que me “agarrou” neste debate:
A questão das narrativas:
Hernandez:
- “A arte é um conjunto de relatos”
- “Nós criamos a nossa identidade como narrativa”
- “Até a nossa percepção é interpretativa, não podemos percepcionar sem interpretar”
Professora  e mediadora:
- Narrativas, sim, mas existe também o mistério, o indizível…
Obrigada, Fernando Hernandez, obrigada todos!
 



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