terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Raquel Pedro - Relato, análise crítica e outras extrapolações

Palestra de John Falk - Imagined vs. Actual: Understanding the Museum Visitor Sessão de debate John Falk e Maria Vlachou
 
Onde começa a prática artística e termina a mediação cultural foi, a meu ver, uma das perguntas que mais inspiraram a conferência, e provavelmente representa um dos dilemas mais prementes com que se debatem os museus/centros de arte contemporânea (domínio em que se insere este relato e análise crítica).
O desafio trazido por John Falk foi um contributo ao conjunto de palestras que a conferência promoveu. Este autor concluiu, através da sua pesquisa, que é possível identificar diferentes tipos de identidades nos públicos que visitam os museus, motivados por uma espécie de agenda pessoal (1).
Falk debruça-se sobre o tema da identidade por considerar que as identidades se relacionam com certas necessidades (2) e que estas são a razão pela qual o público apresenta determinados comportamentos, de certa forma padronizados, face às visitas dentro dos museus. Segundo o autor, através do conhecimento destas identidades, os museus ficariam assim mais bem preparados para receber os públicos. A cada uma destas identidades mencionadas (3) corresponde um tipo de comportamento na entrada, no decurso (trajectória) que se escolhe dentro do museu e na saída. Para Falk importa entender o que as pessoas fazem dentro dos museus e o que levam de lá.
Por outro lado, estas identidades estão relacionadas com diferentes tipos de motivação (e diria eu, a diferentes tipos de escolha). As necessidades levam a tomar decisões e a fazer escolhas, mas se invertermos o sistema, as decisões e escolhas também podem levar a necessidades que julgamos não ter ou que simplesmente desconhecíamos.
Embora a tendência da audiência na palestra fosse mais no sentido de compreender as razões/motivos daqueles que não vão aos museus, Falk procurou, acima de tudo, apresentar informações sobre o tipo de pessoas que frequentam os museus. Neste ponto, poder-se-ia perguntar se falta ensinar a ida ao museu. O sintoma que está por detrás da ausência de públicos nos museus, não será comum a outras instituições ligadas, de alguma maneira, à arte e à cultura em geral?
Com o actual sentido alargado da arte, espera-se que, em particular, as instituições ligadas à arte contemporânea, contrariem a institucionalização, reinventando-se todos os dias; acomodando nas suas vivências relações de respeito e liberdade com os criadores, os profissionais e os públicos. Reformulando constantemente os discursos e as metodologias e adaptando-se às convulsões/transformações da própria sociedade. Ainda assim, foi assinalado na sessão de debate que é preciso aproximar o museu da realidade e quem sabe, alargar os públicos; desde que os museus não esqueçam o sentido da experiência fenomenológica da relação dos objectos com o espectador; não subestimem o público, não deixem cair o efeito de descoberta nos visitantes ou pôr em causa as escolhas livres dentro do museu.
 
(1) Falk refere que a pessoa chega ao museu com uma agenda pessoal - uma série de expectativas que interferem/ determinam a própria visita e que correspondem a motivações. 
(2) Identity-Related Visit Motivations 
(3) Segundo Falk, explorers, facilitators, professional/hobbyist, experience seekers, spiritual pilgrims
 
Para uns, o museu será um farol, para outros será um abrigo, satisfazendo diferentes necessidades. O museu alberga obras multifacetadas e os visitantes são únicos e surgem com estados de alma muito diferentes. Cada pessoa pode experimentar diversos papéis ao visitar um museu, isto é, uma vez ser um explorer e outra vez ser um facilitator. Falk diz-nos ainda que os visitantes trazem motivações relacionadas com as suas identidades e com a tal agenda pessoal. Acrescentando que se as pessoas não vão aos museus, é porque não compreendem que estes espaços podem satisfazer as suas necessidades pessoais. Seria interessante discutir-se um pouco mais de que necessidades se trata. Estamos a referirmo-nos a questões de realização pessoal? Compreender como as pessoas tomam conhecimento de si mesmas ao ponto de terem consciência de todas as suas necessidades não é tarefa fácil. Importa mencionar que Falk teve o cuidado de sublinhar que este conjunto de identidades (características), não nos diz obviamente tudo em relação aos visitantes. Falk refere que a identidade é multidimensional e que o museu é um espaço complexo e dinâmico.
Por outro lado, esta questão levantada por Falk fez-me pensar em que medida projectamos a nossa identidade na ida ao museu. Como se estes espaços representassem uma espécie de palco para a narrativa pessoal. Para além das afinidades com a programação e/ou pluralidade das propostas, factores sócio-económicos, educacionais e outros, na origem da escolha do museu podem estar questões de identificação e semelhança. O processo de construção e reconstrução de identificações faz com que o indivíduo defina o seu lugar na sociedade. São os museus capazes de lidar com estas questões?
Falk determina que estes estudos representam um conjunto de informações que podem funcionar como ferramentas para um melhor desempenho das instituições. Acrescentando que podem servir de reflexão no sentido de inverter ou reformular algumas dinâmicas actuais dos museus. Na minha opinião, seria importante que se olhasse para estas ferramentas essencialmente com fins criativos e não lucrativos. Os estudos significam sempre contributos, pois ao conhecer-se a realidade com que se está a lidar, fica-se mais preparado para decidir e antecipar para onde se quer ir e o que se quer fazer, neste caso, com o museu.
Por outro lado, se os museus estão empenhados em comunicar, e se comunicar é tornar comum, então é na partilha que deve assentar a dinâmica dos museus. Ocorre-me entretanto lembrar José Régio
(...)
Não sei por onde vou, Não sei por onde vou
- Sei que não vou por aí!
Para que as pessoas valorizem a arte é necessário levar as pessoas a uma vivência da própria arte, e esta deverá ser a fórmula a usar no museu, permitindo assim uma maior compreensão dos seus objectivos. O que deve preocupar os museus (e em particular os serviços educativos) é a capacidade de tornar estas instituições, lugares inclusivos. Um museu que encare a diversidade como uma oportunidade, no sentido de despertar consciências e combater qualquer forma de estigma. Os projectos de responsabilidade social podem ser fortes aliados para se construir um verdadeiro sentido de comunidade.
O museu muitas vezes não chega a perceber os efeitos da sua intervenção. É pertinente a noção trazida por Falk do impacto da experiência a longo prazo nos aspectos da própria memória; importante pista para o entendimento da visita, da relação do museu com o visitante e para os aspectos da aprendizagem.
Por último, não devemos esquecer que as acções humanas são afectadas por forças externas, isto é, pelo contexto, situação ou estímulo exterior. Caminhar em conjunto, museu e público (e nunca separadamente) como terá dito Stela Barbieri, deverá ser uma das conclusões desta conferência. Neste sentido, saber quem é o outro, conhecer o outro pode ser um acto inclusivo. Ao procurarmos entender quem visita o museu, abrimos caminho para uma eventual compreensão dos que ficam de fora e com isto criamos condições para os trazer, incluir ou integrar.
 
Fórmula final: Com a Cultura e com o gesto fazemos uma casa do mundo!
 
Agradeço à Raquel Santos Arada o convite para este desafio e à equipa do serviço educativo pela dedicação em tudo o que fazem. 

Agradeço à Culturgest e aos oradores que me fizeram reflectir sobre estes assuntos.

Por Raquel Pedro

Felisa Perez - Comentário ao debate com Stela Barbieri e Ricardo Jacinto

Relato do debate com Stela Barbieri e Ricardo Jacinto. Moderação: Celso Martins
15.12. 16h15
Os dados estavam lançados. A mesa aguardava. O público atento.
Celso Martins questiona Stela Barbieri e Ricardo Jacinto sobre a relação entre Arte e Erro e como a “mediação”, de certa forma, pode estar no meio deste processo.
Celso Martins faz um breve enquadramento sobre como tratar o erro na contemporaneidade, visto que depois do século XIX, com as vanguardas, os artistas deixaram de seguir cânones para entrar em ruptura, transgredir. Será que a partir daqui o erro ganhou um novo sentido? Deu uma espessura heróica à arte da diferença? Há regras na arte contemporânea ou vale tudo? Como detectar o erro? Contra que norma uma obra pode estar errada? A ausência de erros é ausência de limites? O artista ficou “desamparado” por não haver um cânone? O artista pode errar sem saber porquê?
Ricardo Jacinto: A questão do erro é fundamental no processo criativo porque, de certa forma, existe uma aparente liberdade, onde qualquer coisa vale. Mas existe algo paradoxal: como nos reconhecemos no nosso trajecto, enquanto pessoas e no nosso trabalho. Reconhecemos o erro? Identifico e vejo como um erro se transforma em atrito. O erro serve como instante, é algo inesperado, obriga-te a afastares-te um bocadinho e veres o problema/questão que estás a tratar. Trabalho isso enquanto músico. Quando tocas um instrumento deparas-te sempre com os limites das tuas capacidades. Nos momentos de improvisação a questão do erro não se coloca. Aí é um beco. Até podemos provocar essa situação descontrolada e em que tens que lidar com isso. Isso acontece propositadamente.
Celso Martins: Introduzes isso? O erro pode ser uma possibilidade de variação?
Ricardo Jacinto: Pode. Pode acontecer se tiveres um grupo de pessoas que esteja a fazer improvisação e dás uma nova vida a isso.
Stela Barbieri: Na improvisação também tem margem de erro. E para mim a arte contemporânea também tem regras. São regras internas.
Celso Martins: Mas se cada um tem as suas regras internas, então não há regras.
Stela Barbieri: O erro, no meu trabalho, enquanto artista, tem parâmetros, existem regras internas, não estão socialmente estabelecidas. Cada artista tem as suas regras, dentro da sua poética.
Celso Martins: O erro pode ser detectado em função do resultado? A forma ou coisa em que aquilo resultou pode dizer-me que errei com o meu trabalho?
Stela Barbieri: Isso é da ordem do corpo e da mente. Cada situação tem alguns parâmetros, mas é também corpo. É uma percepção. De um som que não soa bem. Às vezes detecta-se no processo. A medida disso é a medida da nossa percepção. É subjectiva e objectiva ao mesmo tempo porque cada um tem o seu objectivo.
Celso Martins: A visão romântica da arte pressupõe que o público quase não intervém no processo. O artista pode desenvolver o seu processo sem pensar no público?
Ricardo Jacinto: É difícil. Depende desse conceito porque o público é muito diverso. Mas consegues identificar contextos. Conseguimos perceber que num determinado sítio as pessoas andam de determinada maneira, por isso vamos trabalhar com isso. O que tem valor é o contacto do público com determinado objecto, é o tipo de relação que cria com isso, o que constrói ao lidar com determinado objecto. O público é o objectivo do que se está a construir. Por exemplo, se eu fizer uma obra para uma pessoa, é para ela. No meu caso tento perceber bem se há alguma norma para o sítio para onde crio a obra. Mas interessa-me mais que um trabalho possa passar por vários sítios porque quando essa obra vai para outro lugar tem outra apropriação. Já consegui, por exemplo, que pessoas que não têm nada a ver com o mundo da arte se relacionassem com o meu trabalho.
Stela Barbieri: Não penso no público quando faço arte, embora trabalhe com público. Para mim todas as acções são criação. Fazer educação também é fazer trabalho de criação. Curadoria também, escrever um texto para um jornal também. Não penso na especificidade do público, faço o que senti naquele momento. Não se deve categorizar os públicos. Cada um de nós é diferente. É singular cada pessoa que visita o museu. As obras também diferem na relação com o espaço. Não precisa se preocupar com o público, eles são capazes de se relacionar com qualquer coisa, com o mundo.
Celso Martins: Stela, qual é o maior erro que se pode cometer em mediação?
Stela Barbieri: É você não estar presente. É você fazer automaticamente ou você não se preparar. Tem que estar presente, de corpo e alma. Estar para a vida. O maior erro é não estar presente.
Celso Martins: A arte contemporânea com a sua multiplicidade de formas põe um problema acrescido a essa mediação?
Stela Barbieri: Eu teria mais problema com arte sacra. Nunca trabalhei num museu histórico. Num museu histórico você tem que tornar um trabalho histórico contemporâneo.
Ricardo Jacinto: É articular a presença com o processo criativo e a vida, a relação com as próprias obras?! E esse reconhecimento vem. Quanto mais aquele objecto tiver mistério, capacidade de resistir, para mim, mais certo ele está. Mais convicção tenho daquilo merecer ganhar uma convivência com pessoas, espaços… A questão reside em como articular o erro com o controle. Concordo com a Stela relativamente à presença. Há peças que fazes que antes de serem colocadas já estão mortas, mas às vezes as pessoas ressuscitam-nas. Depende muito do envolvimento. Envolveres-te com esse acto para a coisa não se esvaziar.
Celso Martins: Ricardo, tens trabalhado com várias pessoas. Como vives/tratas essa questão?
Ricardo Jacinto: Isso é a parte importante de colaborar. Quem gosta de viver esse conflito latente. Tens que gostar de te relacionar com os outros, tens que articular. Tudo o que nasce de uma colaboração, nasce disso. Depende das equipas, depende das pessoas.
Celso Martins: Isso mata?
Ricardo Jacinto: Às vezes mata.
Celso Martins: Viver no conflito pode matar o trabalho?
Ricardo Jacinto: Sim, pode.
Do público, Jackson Ribeiro (Brasil) conta uma história de uma escultura intitulada “Porteiro do Inferno” e toda a polémica que a escultura causou pelo seu nome. O nome da peça ganhou um significado. Antes de se saber o seu nome passava despercebida, mas quando as pessoas souberam o nome e a viram colocada perto da Igreja, ninguém a queria lá. Gerou uma grande polémica que envolveu os media. Então, até que ponto tem erro ou acerto nesse processo?
Celso Martins: Nesse caso, o público fez a peça e a peça foi activada pelo público.
Da plateia uma pessoa intervém e considera que o público se ligou a uma coisa muito mais forte que o objecto. Onde cabe isso? Onde está o erro se as pessoas consomem arte? E será que há erro nisso?
Celso Martins: O objecto traz a ideia, as pessoas fugiam da peça porque ela tinha o diabo dentro dela, uma peça numa sala não existe como obra se as pessoas não a virem. No lugar certo, o “Porteiro do Inferno” acendeu qualquer coisa. Uma obra de arte transporta uma ressonância.

E o tempo para o debate acabou.

Felisa Perez


Felisa Perez - Comentário ao Workshop de Helena Marujo

Relato Workshop Helena Marujo|15.12.

Erros morais: novas expansões para os nossos multiversos
Psicóloga, investigadora e professora, Helena Marujo anda por ai a contagiar o mundo com o que se faz no mundo para um mundo melhor. E atrevo-me a dizer que o seu sorriso basta para que isso aconteça.
A proposta de hoje partiu de brincar às escondidas para descobrir os nossos erros (escondidos debaixo das cadeiras). Um deles, de resto, teimava em não aparecer.
Erros descobertos:  
Erro 1: Pecámos contra a esperança
Erro 2: Vivemos no pânico de quem não tem, não é
Erro 3: Vemos o outro como uma ameaça e não como uma promessa
Erro 4: Desequilibrámos os valores
Erro 5: Vivemos seduzidos pelo apego à comodidade do conhecido
Erro 6: Erro das conquistas tangíveis, do viver à procura do fim das coisas
Erro 7: Viver parando é uma espécie de ideologia romântica
Erro 8: Temos a felicidade como projecto individual, foi assim que adoecemos
Cada erro continha uma frase associada, de Jorge Luis Borges a Emily Dickinson. As frases foram lidas e comentadas entre todos.
De seguida, saltámos para o palco (felizes da vida porque a Stela nos deu um pião). Pusemos o pião a girar e toca de dar voltas à cabeça.
Procurámos um par (sempre diferente) para conversar sobre:
1. O que é que nos apaixona neste momento na nossa vida?
2. Um erro divertido que testemunhámos
3. Um erro que deve ser ensinado
4. Quem ou o que é o anjo da guarda dos nossos erros?
5. De que maneira já conseguimos ser anjos da guarda de alguém?
Como não pude estar em todos os grupos (e também queria brincar) vou partilhar os meus erros e os dos meus pares (espero que eles não se importem).


1. Viver. É o que me apaixona neste momento
2. O erro da Diana Tavares que dia sim, dia não, guarda a mala no frigorífico
 3. A mentira piedosa, às vezes “convém” (para os pais sobretudo)
 4. O anjo da guarda da vida do Luís Miguel Neto é a sua “consciência”. Concordo, mas tenho mais um, a minha irmã mais velha, a quem confesso tudo o que faço
5. Já fui anjo da guarda. Como? Conversando, protegendo, omitindo, evitando que alguém actue impulsivamente
Depois destas confissões individuais, juntámos 2 pares e tirámos um erro à sorte. Entre 4 pessoas conversámos sobre esse erro e como tornar esse “microinferno” num “microparaíso” na nossa vida?
Surgiram várias reflexões e propostas. E um grupo, mais politizado, formou um partido:
O FME - partido para a Felicidade, Mudança e Esperança.
Aqui para nós, o meu microparaíso foram estes 3 dias luminosos, cheios de pessoas maravilhosas. 

Obrigada

Felisa Perez

Paula Figueiredo - Comentário da Palestra de Stela Barbieri

Relato da Palestra de Stela Barbieri


A empatia com Stela Barbieri é imediata e inquestionável. A pessoa dá-nos tanto com tão pouco. A redução ao concreto, ao vivido, ao sentido, ao simples é-nos oferecido tão generosamente que não devo errar muito se dizer que todos os presentes também “querem ser como a Stela quando forem grandes…”.
O relato da sua história de vida, em pequenos episódios, de uma vivência também sentida pelos que ouvem (por mim de certeza!) por analogia, e porque todos nós entendemos o mundo melhor quando nos referenciamos nos exemplos dos outros, que no caso de Stela nos fez recordar as pessoas e os locais, nada têm a ver com os serviços educativos, mas com o que nos fizeram gostar de trabalhar neles. Talvez este breve momento, este “acaso” nos tenha reposicionado e levado a pensar que o trabalho educacional dentro do Museu seja afinal tão simples como respirar e que a nossa pesquisa e o nosso projecto de trabalho com o público deva ser orientado por aquilo que sentimos, o que julgamos poder estar bem, mesmo que erremos, vale a pena tentar. Nunca pondo de parte a informação que também é importante. Tal como Stela fez quando nos apresentou textos de autores incontornáveis, alguns clássicos, mas ainda muito pertinentes, e questões que orientaram o seu discurso e o nosso pensamento.

Para Stela Barbieri o ERRO é o coeficiente artístico – aquilo que acontece, o desvio, o que não está no nosso controlo (Duchamp, O ato criador). A dualidade é muito redutora. Existem nuances. O coeficiente artístico põe-nos em movimento, tal como as crianças, que de um modo maravilhoso, não param. As crianças trazem ao museu vida e nos colocam em suspensão.

No início da palestra é apresentado um pequeno vídeo com pequenos piões (aqueles que rodam com o movimento simples dos dedos e não necessitam da perícia da corda) numa sequência de imagens “lindas e frágeis”, fazendo pequenos círculos. O círculo como centro do movimento. Se alguma coisa em nós não tem movimento algo está errado – “Eu não sou da teoria, sou da prática”. Olhar com simplicidade, deixar ser o que as pessoas são, sem complicar, foi afirmado pela oradora. Para falarmos da obra temos de nos movimentar para a obra ter movimento.

“O verdadeiro tesouro do homem é o tesouro dos seus erros, a larga experiência vital decantada por milénios, gota a gota.”
José Ortega e Gasset
Stela Barbieri deixou-nos perguntas, frutos do seu trabalho educativo na 29ª Bienal de São Paulo, ao longo do discurso.

·      Como a arte pode mudar a vida?
O educador tem um papel renovador, não um papel de redimir, tal como nos falou Samuel, noutra oportunidade. Quando um “show” nos faz voltar a casa de “alma lavada” é um momento de transformação profunda. Com Sartre como pano de fundo, refere Fernando Hernández quanto à escuta: “Ouvir a obra e as pessoas” – Desnudar a obra é muito difícil. Se os artistas são generosos porque encaram o mundo, o nosso papel é darmos o nosso tempo para pensarmos e por isso precisamos do fluxo da liberdade mas também da paragem da conservação. O nosso papel é dialogar, é estar atento e em simultâneo dar informação. É como o pião em equilíbrio, temos de nos manter em movimento, mas sempre em equilíbrio.

·      De que é feita a memória?
Stela Barbieri relata-nos uma experiência encantadora vivida na infância com uma avó (que afinal era tia, adoptada como avó) no seu ateliê “careta”, onde se cruzavam mais duas tias (uma que ensinava ginástica, mas que não fazia nem um abdominal e outra que ensinava francês e cantava com um chapéu de chuva aberto) e outras crianças que “bagunzavam”, dizendo que elas foram o seu universo de aprendizagem pedagógica, mais rico do que a escola: “Aprendi com as velhinhas a maravilha de ser professor.”
Da cadeira de baloiço apresentada na projecção da sua comunicação, diz-nos ter ficado no “balanço” a pensar, a fazer filmes, referindo que tinha sido a bisavó a ensinar a balançar – “foi este momento que me salvou!” Para Stela, hoje as crianças têm uma vida atribulada e não têm tempo para pensar, tem de haver silêncio, mas com sentido.

Quanto aos públicos, diz-nos que a tendência é a de classificar, mas não podemos engavetar tudo. Ninguém sabe o quanto podemos surpreender.

·      Quando você enxerga algo do outro de você?
“Quando eu estou com as crianças, eu me enxergo nelas. Elas acreditam na voz do impossível. As crianças tentam esvaziar o mar com o balde!” – diz-nos Stela.
Daqui parte para o relato da sua vivência académica, entre vários erros, tornou-se professora por acaso. Entre o jornalismo e a pedagogia não concluiu os estudos.

“A imaginação nasce da mesma região da alma onde nasce a memória.”
Aristóteles
“A imaginação é o lugar onde chove ideias e tens de as aproveitar”– refere Stela. Por isso não podemos ficar isentos, precisamos de apresentar as nossas questões ao público. E qual é o tempo que temos para imaginar? Temos pouco. Deveríamos ser pagos para pensar, para balançar.

“Ser tocado afetivamente e ser tocado corporalmente”.
Sara Paín
“Todos somos educadores, tal como disse um meu conterrâneo, desde o segurança à senhora da limpeza.” O nosso corpo é o nosso veículo.

·      Como você vê o que você vê?
“Eu acho que nós escolhemos para onde olhar, mas temos limitações.” - Susana Gomes da Silva acrescenta que quando questionamos sobre o que as pessoas vêem podemos orientá-las para verem outras coisas. A metáfora do espelho, na qual gostaríamos de olhar e ver outro diferente, revela a nossa incoerência. Podemos pensar que podemos mudar, ver com movimento o que se vê.

·      O que faz a arte ser arte?
Tem a ver com a infância, a imaginação que permite fazer um avião voar que não voa efectivamente. “O meu jeito “meio-torto” fez com que insistisse, batalhasse para fazer acontecer.” Não podemos aplicar um método. Que caminhos os espaços inventam? Os espaços falam deles! Os caminhos que os espaços inventam são diferentes.

Stela Barbieri revela que quando foi para a Bienal de São Paulo, apesar de não ter os requisitos exigidos, fez um curso de história de arte e começou a trabalhar com crianças. Na altura julgava “nadar de braçada” na arte contemporânea, mas percebeu com uma experiência de trabalho que esta pode ser NADA para uma comunidade do interior que vivia ao pé de uma floresta. Num exemplo dado, de recolha de sementes com os habitantes, Stela ensinou-lhes que uma árvore pode ter um tronco amarelo e folhas vermelhas – para mim, esta experiência é uma excelente referência para a educação informal, com a simples ideia de revelar a simplicidade da natureza e não seguir os caminhos rígidos da representação. Não esquecendo o que a Stela nos deixa do debate de ideias com a audiência: “Os curadores podem julgar o nosso trabalho, um trabalhinho, mas hoje já começam a estar abertos. Mas nós temos de fazer um trabalho de colaboração que precisa de estar claro. Muitos somos inflexíveis, temos de ser flexíveis no nosso trabalho.” 

Por Paula Figueiredo








Felisa Perez - Comentário às conclusões apresentadas das mesas redondas sobre Ética

Resumo mesas Ética|Equipas 10h

Rosário Azevedo (ICCOM-CECA) tomou a palavra e trouxe-nos as reflexões lançadas nos dois de debate das mesas-redondas sobre Ética. Começou por afirmar que não chegaram propriamente a conclusões, mas a pontos de referência importantes que demonstram que há muito trabalho por fazer e pouca bibliografia sobre a questão. A pergunta de saída foi a tentativa de encontrar sinónimos para os termos de “mediação e ”mediador”, onde a ética está implícita. Falou-se em “facilitadores”, termo redutor, pela dualidade inerente entre fácil/difícil. E se o professor será também um “mediador”? E o mediador será “intermediário” ou “catalisador”? Chegou-se então à conclusão que a dificuldade de encontrar sinónimos para o termo está associada à ambiguidade do papel do mediador, onde cabem uma série de competências e valências, definidas por cada um de nós. Espaço reflexivo e mutante, onde a ética está em permanente construção.
Mais tarde, falou-se da “isenção”. Será que o mediador deve ser isento? Consegue? Não consegue? Entre todos, alguém disse que ele está no meio do processo, logo, tem que tomar uma posição e assumir a posição que toma. Tem que direccionar, orientar, mas o processo fica em aberto, desenvolve-se na horizontal. Outra questão debatida foi o carácter dialéctico da mediação, relacionada à impossibilidade de isenção a que o mediador está sujeito. O processo vai então viver desta dialéctica, onde o mediador vai direccionar, orientar, sem isenção. Neste contexto, a conversa chegou a dois conceitos importantes, trazidos pelos oradores dos dias anteriores: o mediador como “fazedor de circunstâncias” (Fernando Hernández) e o mediador como “construtor de pontes” (John Falk).
Tomou então palavra Elisa Marques (GAM) para nos falar sobre Equipas e a primeira conclusão apresentada foi que o tema teria de ser tratado em relação com os outros dois E’s: Ética e Erro, porque não há equipa sem ética, ética sem erro e equipas que não errem. Percebeu-se também que não há equipa sem projecto e tratou-se o projecto como uma construção, uma imprevisibilidade, excentricidade, intencionalidade e um desafio (nunca um somatório de actividades). Então, se há projecto, venha a equipa. O que é equipa? Um conjunto de pessoas, portadoras de vários saberes (multidisciplinar), que trabalham para o mesmo fim. Considerando uma equipa de mediadores e os factores que interferem na mediação (intrapessoais, instrumentais e simbólicos) lançou-se a questão: Para que serve a mediação? Para levar as pessoas a pensarem outros mundos, alargar conhecimentos e ampliar visões sobre si próprios. O que é essencial para uma equipa saudável? Motivação. O que só é possível, – segundo as conclusões das mesas – com normas, autonomia das pessoas que a constituem, vontade de aprender, capacidade de aceitar o erro, escutar e com prazer no que se faz. Abordou-se em seguida a questão da liderança. Deve a equipa ter um líder? Sim. Uma liderança eficaz. E como pode ser o líder? Autoritário, laissez-faire/laissez-passez ou democrático? Depende do contexto. Deve atender aos propósitos que a equipa tem, ser capaz de motivá-la, coordenar, organizar, desenvolver, planear e avaliar.
A mesa lançou então a pergunta de partida deste encontro: “Em nome das artes ou em nome dos públicos?” Concluindo que uma equipa trabalha em nome da educação em geral, sem pontes, porque não há margens.
Para terminar, Elisa Marques deixou-nos uma frase de Agostinho da Silva:
“Só uma actividade complexa conseguia ser na realidade criadora”.
Colocando-se “em nome dos públicos”, Fátima Alves (GAM), depois de uma breve apresentação sobre a actividade do grupo que integra, o Grupo para a Acessibilidade nos Museus (GAM), lançou a reflexão sobre o que estamos a fazer para os públicos com necessidades especiais? Pensamos neles? E parece que nas mesas alguém terá partilhado uma experiência onde, apesar do museu ter criado actividades direccionadas para aqueles públicos, elas não tinham resposta. Porquê? Porque não houve a ponte, a relação, não se foi ter com eles – refere Fátima Alves que defende ainda que é preciso ir para o terreno, procurar essas pessoas e proporcionar-lhes experiências que motivem o seu (re)encontro com o museu.
Paula Figueiredo (Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa) partilhou, então, uma dificuldade muito pertinente sentida no seu trabalho, a ausência, por vezes, de uma equipa preparada para trabalhar com esses públicos. O debate saiu da mesa e o público partilhou as suas experiências. Sem dúvida que, nesta matéria, há todo um caminho a percorrer. E partilho convosco, neste relato, um programa de referência nesta matéria, o projecto da Pinacoteca de São Paulo (Brasil) que, além de ter uma exposição sensorial permanente (2º Piso) para portadores de deficiências visuais acompanhado por percurso áudio (iPod), conta, entre a sua equipa, com colaboradores também eles portadores de deficiências auditivas (e outras) que fazem a “mediação” desses grupos.
Retomando a questão das equipas e dos professores como mediadores, Joana Andrade (que desenvolve um programa artístico na UNESCO) lançou duas reflexões: o papel das curadorias nos museus e a questão de muitas vezes os professores, quando acompanham um grupo, ficarem à margem da visita. Até que ponto os curadores são envolvidos nas equipas dos Serviços Educativos, onde, segundo a Joana, ainda existe uma grande barreira de comunicação; e como motivar os professores a não acompanharem meramente um grupo. O ICCOM refere que estão a ser desenvolvidos vários projectos nesse sentido e pede a uma representante do Museu Abade Baçal para partilhar o seu projecto.
Robinson (Brasil) traz a sua opinião para o debate, considerando que todo o mediador é educador e que só faz sentido a escola ir ao museu quando integrada num programa/projecto de longa duração. Para Robinson, o mediador não é um guia que vai transmitir informações, vai assumir um papel de formação e gerar conhecimento.
Na linha do comentário da Joana, sobre o diálogo com as curadorias, partilho uma experiência desenvolvida pelo Núcleo Experimental de Educação e Arte do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (NEEA-MAM RJ). No MAM, antes da inauguração de qualquer exposição, o curador debate com o educativo o sentido das obras e o(s) artista(s) estabelecem diálogos com os educadores  para, em conjunto, criarem possíveis leituras da exposição.
Fica o desafio.
Por Felisa Perez