terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Paula Figueiredo - Comentário da Palestra de Stela Barbieri

Relato da Palestra de Stela Barbieri


A empatia com Stela Barbieri é imediata e inquestionável. A pessoa dá-nos tanto com tão pouco. A redução ao concreto, ao vivido, ao sentido, ao simples é-nos oferecido tão generosamente que não devo errar muito se dizer que todos os presentes também “querem ser como a Stela quando forem grandes…”.
O relato da sua história de vida, em pequenos episódios, de uma vivência também sentida pelos que ouvem (por mim de certeza!) por analogia, e porque todos nós entendemos o mundo melhor quando nos referenciamos nos exemplos dos outros, que no caso de Stela nos fez recordar as pessoas e os locais, nada têm a ver com os serviços educativos, mas com o que nos fizeram gostar de trabalhar neles. Talvez este breve momento, este “acaso” nos tenha reposicionado e levado a pensar que o trabalho educacional dentro do Museu seja afinal tão simples como respirar e que a nossa pesquisa e o nosso projecto de trabalho com o público deva ser orientado por aquilo que sentimos, o que julgamos poder estar bem, mesmo que erremos, vale a pena tentar. Nunca pondo de parte a informação que também é importante. Tal como Stela fez quando nos apresentou textos de autores incontornáveis, alguns clássicos, mas ainda muito pertinentes, e questões que orientaram o seu discurso e o nosso pensamento.

Para Stela Barbieri o ERRO é o coeficiente artístico – aquilo que acontece, o desvio, o que não está no nosso controlo (Duchamp, O ato criador). A dualidade é muito redutora. Existem nuances. O coeficiente artístico põe-nos em movimento, tal como as crianças, que de um modo maravilhoso, não param. As crianças trazem ao museu vida e nos colocam em suspensão.

No início da palestra é apresentado um pequeno vídeo com pequenos piões (aqueles que rodam com o movimento simples dos dedos e não necessitam da perícia da corda) numa sequência de imagens “lindas e frágeis”, fazendo pequenos círculos. O círculo como centro do movimento. Se alguma coisa em nós não tem movimento algo está errado – “Eu não sou da teoria, sou da prática”. Olhar com simplicidade, deixar ser o que as pessoas são, sem complicar, foi afirmado pela oradora. Para falarmos da obra temos de nos movimentar para a obra ter movimento.

“O verdadeiro tesouro do homem é o tesouro dos seus erros, a larga experiência vital decantada por milénios, gota a gota.”
José Ortega e Gasset
Stela Barbieri deixou-nos perguntas, frutos do seu trabalho educativo na 29ª Bienal de São Paulo, ao longo do discurso.

·      Como a arte pode mudar a vida?
O educador tem um papel renovador, não um papel de redimir, tal como nos falou Samuel, noutra oportunidade. Quando um “show” nos faz voltar a casa de “alma lavada” é um momento de transformação profunda. Com Sartre como pano de fundo, refere Fernando Hernández quanto à escuta: “Ouvir a obra e as pessoas” – Desnudar a obra é muito difícil. Se os artistas são generosos porque encaram o mundo, o nosso papel é darmos o nosso tempo para pensarmos e por isso precisamos do fluxo da liberdade mas também da paragem da conservação. O nosso papel é dialogar, é estar atento e em simultâneo dar informação. É como o pião em equilíbrio, temos de nos manter em movimento, mas sempre em equilíbrio.

·      De que é feita a memória?
Stela Barbieri relata-nos uma experiência encantadora vivida na infância com uma avó (que afinal era tia, adoptada como avó) no seu ateliê “careta”, onde se cruzavam mais duas tias (uma que ensinava ginástica, mas que não fazia nem um abdominal e outra que ensinava francês e cantava com um chapéu de chuva aberto) e outras crianças que “bagunzavam”, dizendo que elas foram o seu universo de aprendizagem pedagógica, mais rico do que a escola: “Aprendi com as velhinhas a maravilha de ser professor.”
Da cadeira de baloiço apresentada na projecção da sua comunicação, diz-nos ter ficado no “balanço” a pensar, a fazer filmes, referindo que tinha sido a bisavó a ensinar a balançar – “foi este momento que me salvou!” Para Stela, hoje as crianças têm uma vida atribulada e não têm tempo para pensar, tem de haver silêncio, mas com sentido.

Quanto aos públicos, diz-nos que a tendência é a de classificar, mas não podemos engavetar tudo. Ninguém sabe o quanto podemos surpreender.

·      Quando você enxerga algo do outro de você?
“Quando eu estou com as crianças, eu me enxergo nelas. Elas acreditam na voz do impossível. As crianças tentam esvaziar o mar com o balde!” – diz-nos Stela.
Daqui parte para o relato da sua vivência académica, entre vários erros, tornou-se professora por acaso. Entre o jornalismo e a pedagogia não concluiu os estudos.

“A imaginação nasce da mesma região da alma onde nasce a memória.”
Aristóteles
“A imaginação é o lugar onde chove ideias e tens de as aproveitar”– refere Stela. Por isso não podemos ficar isentos, precisamos de apresentar as nossas questões ao público. E qual é o tempo que temos para imaginar? Temos pouco. Deveríamos ser pagos para pensar, para balançar.

“Ser tocado afetivamente e ser tocado corporalmente”.
Sara Paín
“Todos somos educadores, tal como disse um meu conterrâneo, desde o segurança à senhora da limpeza.” O nosso corpo é o nosso veículo.

·      Como você vê o que você vê?
“Eu acho que nós escolhemos para onde olhar, mas temos limitações.” - Susana Gomes da Silva acrescenta que quando questionamos sobre o que as pessoas vêem podemos orientá-las para verem outras coisas. A metáfora do espelho, na qual gostaríamos de olhar e ver outro diferente, revela a nossa incoerência. Podemos pensar que podemos mudar, ver com movimento o que se vê.

·      O que faz a arte ser arte?
Tem a ver com a infância, a imaginação que permite fazer um avião voar que não voa efectivamente. “O meu jeito “meio-torto” fez com que insistisse, batalhasse para fazer acontecer.” Não podemos aplicar um método. Que caminhos os espaços inventam? Os espaços falam deles! Os caminhos que os espaços inventam são diferentes.

Stela Barbieri revela que quando foi para a Bienal de São Paulo, apesar de não ter os requisitos exigidos, fez um curso de história de arte e começou a trabalhar com crianças. Na altura julgava “nadar de braçada” na arte contemporânea, mas percebeu com uma experiência de trabalho que esta pode ser NADA para uma comunidade do interior que vivia ao pé de uma floresta. Num exemplo dado, de recolha de sementes com os habitantes, Stela ensinou-lhes que uma árvore pode ter um tronco amarelo e folhas vermelhas – para mim, esta experiência é uma excelente referência para a educação informal, com a simples ideia de revelar a simplicidade da natureza e não seguir os caminhos rígidos da representação. Não esquecendo o que a Stela nos deixa do debate de ideias com a audiência: “Os curadores podem julgar o nosso trabalho, um trabalhinho, mas hoje já começam a estar abertos. Mas nós temos de fazer um trabalho de colaboração que precisa de estar claro. Muitos somos inflexíveis, temos de ser flexíveis no nosso trabalho.” 

Por Paula Figueiredo








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